“A alma da mulher não foi feita nem para abrir nem para fechar as discussões que se travam em torno dos grandes pensamentos e dos velhos ou novos sistemas; não foi feita para levar de povo em povo e de país em país os ímpetos assoladores da guerra nem para fixar os olhos nos fenômenos que nos rodeiam, descobrir suas causas e formular suas leis. A tudo isso ela tem direito, sem dúvida nenhuma, mas é um direito de certa forma acidental e acessório, porque seu verdadeiro papel se acha à parte disso. E qual é, afinal? Como a mulher chega a ser um elemento civilizador?
A missão da mulher é eminentemente educacional e todo seu poder está enraizado nestas três forças que se fundem: a beleza, a ternura e o amor. A educação compreende dois elementos, um de caráter negativo e outro de caráter positivo; o primeiro é a preservação contra o mal, o segundo consiste em ensinar àquele a quem se educa a lutar aberta e vitoriosamente contra o mal e a colocar-se acima de todas as amarguras e dores da vida. A mulher pode cumprir admiravelmente esses dois grandes fins da educação.
A mulher é um elemento formidável de preservação contra o mal, assim o ensinam eloquentemente a razão e a História. Maria Antonieta, essa rainha tão desafortunada que foi arrastada ao tribunal revolucionário para ser depois guilhotinada com seu desgraçado esposo Luís XVI, foi acusada, dentre outras coisas, de tentar corromper seu próprio filho, levando-o a ter relações sexuais com ela. Aquela alma grande, generosa e forte ergueu-se firme em meio à turba de bandidos e de assassinos que a julgava; não argumentou, não filosofou, não chorou; apenas pronunciou estas célebres palavras: “Faço um apelo a todas as mães aqui presentes.” Pois bem, tomo essas palavras formidáveis de Maria Antonieta para demonstrar que a mulher é um elemento poderosíssimo de preservação contra o mal e digo também: apelo ao testemunho de todas as mães.
Mas a mulher não o é somente quando a consideramos no papel de mãe, mas também o é como esposa, filha, e até mesmo como noiva, e por isso os que foram iniciados nos grandes segredos da vida e conhecem seus detalhes sabem quão poderosas são as terníssimas insinuações de uma mãe, os suavíssimos conselhos da esposa, a avassaladora súplica da filha e que dizer dos desejos daquela que é dona de nossos pensamentos. Há mais: a mulher pode realizar maravilhosamente bem o segundo fim que assinalamos como um dos elementos da educação. Ao tratar desse ponto, poderia listar milhares de fatos tomados da história e da experiência cotidiana, mas para não cansar vossa atenção, vou fixar-me em dois que gozam de indiscutível celebridade: falo de Cornélia e de dona Branca de Castela (mãe de São Luis, rei da França).
Cornélia foi uma dama nobre de Roma, filha do general romano Cipião Africano, o qual derrotou Aníbal na batalha de Zama. Ela consagrou todos os seus esforços e energias de mulher à formação de seus filhos, Caio e Tibério. Em certa ocasião, perguntaram-lhe quais eram seus tesouros mais queridos e respondeu apontando para os dois. Estes, por sua vez, quando se tornaram homens, entregaram-se com entusiasmo admirável à defesa dos interesses da liberdade e do povo e foram sepultados com o orgulho e a satisfação imensa de terem selado com seu sangue os princípios inabaláveis e eternos da justiça.
Dona Branca de Castela repetia com frequência para são Luis esta frase que chegou até nós: “Melhor ver-te morto a cometendo um pecado mortal.” E a ternura e o talento incomparável daquela rainha deram à França um grande rei, à Igreja um grande santo e à humanidade uma glória que não se pode apagar.
Finalmente, a análise da estrutura do lar e do papel que nele desempenha cada um dos que o formam leva-nos ainda mais fortemente à convicção do grande poder educacional da mulher: quis Deus que o homem fosse a encarnação do pensamento e da força e a mulher a cristalização da beleza, da ternura e do amor. O pensamento com todos os seus esplendores, avanços e descobrimentos não pôde nem pode educar: prova incontestável disso encontramos na época em que vivemos. A força só sabe e só consegue fazer escravos. O pensamento unido à força só cria tiranias inteligentes e sábias como a de Augusto. O que propriamente, embora não de maneira exclusiva, forma, modela os espíritos, eleva as almas e educa são a ternura e o amor, porque a educação implica a renúncia ao mal, a renúncia a nossas paixões, a nossos instintos e é uma espécie de conquista; mas uma conquista na qual os vencidos creiam ser e sejam de fato vencedores. Ora, conquistar dessa forma, sem provocar ódios e sem levantar oposição e resistência é um atributo que só pertence à beleza, à ternura e ao amor. Júlio César, esse celebérrimo conquistador, que afirmava que em suas veias corria sangue de deuses e reis, havia cravado as bandeiras da vitória por toda a Europa e quis ir ao Egito: lá encontrou a deslumbrante beleza de Cleópatra e os ímpetos do capitão romano renderam-se ante a beleza. (…)
Shakespeare transpôs em suas obras imortais um quadro que todos os dias encarna, palpita e vive em meio a nós. A claridade da aurora começa a estender-se qual cortina esbranquiçada no oriente, tudo desperta e a cotovia canta alegremente. “O dia se aproxima”, diz Romeu a Julieta. “Oh, não, meu amado”, diz Julieta, “não é o canto da cotovia o que se ouve, mas os trinos do rouxinol.” “Pois bem”, exclama Romeu, “Se tu queres, não será a aurora que avança, mas a escuridão da noite o que nos envolve.”
Eis o poder da beleza, eis o poder da ternura, eis o poder do amor. E isso é a mulher. E por isso somente ela é capaz de realizar sem estremecimentos nem ruídos, sem oposição nem ódio, a conquista que a educação implica. E esse é um poder eminentemente civilizador, porque os desastres dos ensaios de civilização feitos até agora não têm outra razão senão esta: não se quis ou não se pôde educar.
(…) À mulher, pois, cabe o labor incomparavelmente nobre de preservar as gerações do mal, de ensiná-las a lutar triunfalmente contra ele e de acostumá-las a se colocarem acima de todas as catástrofes da vida.
(…) Contudo, pesa enormemente sobre o mundo moderno um fenômeno que consiste em que o mal e o erro chegaram a organizar-se; o mal e o erro não são poderes abstratos, não são forças que revestem um caráter individual, tampouco um caráter meramente político. Não! O mal e o erro, com o passar do tempo, vieram a constituir um grande poder social. Em outras épocas, a mulher realizava perfeitamente bem sua missão na tranquilidade do lar e vivendo em certo grau de isolamento. Mas agora já não se poderá conseguir que sua influência seja decisiva e eficaz para afastar as gerações dos caminhos do mal e empurrá-las na direção do caminho do bem sem que se levante organização contra organização, poder social contra poder social, enfim, que se alce diante da construção saída das mãos defensoras do mal e do erro a construção magnífica e esplendorosa da verdade e do bem. Daí que a ação da mulher como a de todas as classes sociais deva pautar-se por duas coisas: primeiro, deve partir de uma organização; segundo, deve ser eminentemente social. Pois que alcance terão sua ação e influência se, vivendo a mulher numa sorte de isolamento, os grandes combates pela justiça e pela liberdade são travados contra um poder tremendamente organizado? E como será possível, na tranquilidade do lar, fazer que infiltrem no espírito os princípios luminosos da verdade e do bem, se no campo aberto do mundo, que agora é um mar de lama, as almas se perdem em meio a este grande naufrágio de que somos testemunhas?
Portanto, não se realizará a missão sublime da mulher enquanto elas não começarem, atrevidamente, sem medo e sem vacilação, a se organizar e fazer esforços – quiçá titânicos e talvez sobre-humanos – para que a ação seja profundamente social.”
ANACLETO GONZALEZ FLORES, trecho de A missão da mulher, discurso proferido às Damas da ‘Liga para a Preservação da Juventude de Guadalajara’, como uma homenagem de admiração e um grito de entusiasmo